Por Luiz Carlos Prazeres
Parece que a história de toda grande descoberta revela um lado romanceado que faz, às vezes, a realidade misturar-se com a lenda. Conta-se que, em 28 de fevereiro de 1953, o físico britânico Francis Crick entrou no Eagle (um pub, em Cambridge) e revelou aos presentes que ele e seu colega, o americano James Watson, tinham descoberto o segredo da vida. Parecia ser um anúncio pretensioso, mas, na manhã daquele dia, Watson e Crick haviam criado o modelo que explicava a estrutura do ácido desoxirribonucléico — o famoso DNA —, a molécula que carrega o “código genético”. Graças a essa descoberta, cientistas passaram a entender a hereditariedade e os mecanismos da evolução, e palavras como engenharia genética, clonagem e transgenia passaram a fazer parte de nosso vocabulário.
A descoberta de Watson e Crick, historicamente, pode ser vista como fruto de uma jogada genial, levando-se em consideração as circunstâncias daquela época: Watson era um ornitólogo com quase nenhum conhecimento em bioquímica; Crick, doutorando em Biofísica; e ambos não contavam com equipamentos adequados.
Mas a história do DNA pode ser contada com seu início nas pesquisas de Friedrich Miescher sobre o núcleo celular. Em 1868, esse médico suíço, ao tentar desvendar as funções do núcleo das células, isolou, do interior dele, uma substância que chamou de nucleína. Na época, o pesquisador pensou que se tratava de uma espécie de reserva de fósforo para o citoplasma, devido à constante presença desse elemento, mas o que o impressionou, na verdade, foi o alto peso molecular verificado. Mais tarde, em 1889, Richard Altman descobriu o caráter ácido da nucleína e passou a chamá-la de ácido nucléico. Nesse período, o bioquímico alemão Albrecht Kossel observou a presença de bases nitrogenadas púricas e pirimídicas na constituição desse ácido e, em 1929, Phoebus A. Levene detectou o açúcar desoxirribose. Assim, o ácido nucléico passou a ser entendido como um complexo molecular muito grande, constituído por unidades que viriam a ser chamadas de nucleotídeos.
Em 1927, um curioso estudo, desenvolvido pelo britânico Frederick Griffith envolvendo bactérias do tipo pneumococo, chamou a atenção do médico e pesquisador canadense Oswald Avery, que, juntamente com seus colaboradores, e em 13 anos de estudos criteriosos, sugeriu que o ácido nucléico, já conhecido como ácido desoxirribonucléico, era o material genético das células.
Para os diversos cientistas da época, as pesquisas de Avery não deixavam dúvida de que o DNA era o transmissor da hereditariedade. Um desses cientistas foi Maurice Wilkins. Esse físico anglo-irlandês teve seu interesse pela genética despertado depois da leitura do livro O Que é a Vida? de Erwin Schrödinger, enquanto trabalhava no projeto Manhattan, em Berkeley.
Wilkins passou a estudar a estrutura do DNA por meio da técnica da cristalografia — em que se utilizam raios X para determinar a disposição física de moléculas em determinados compostos.
Em 1951, Wilkins concedeu uma palestra sobre DNA, em uma conferência de Física, em Nápoles, Itália. Durante sua apresentação, o pesquisador mostrou a foto de uma molécula de DNA exposta aos raios X. James Watson, que assistia à palestra, ficou bastante interessado. Há tempos ele estava convicto de que, se fosse possível desvendar a estrutura do intrigante ácido nucléico, seria possível desvendar um dos segredos fundamentais da vida: a hereditariedade. Naquele mesmo ano, Watson foi trabalhar no laboratório Cavendish, de Cambridge, onde conheceu Francis Crick, seu futuro companheiro na descoberta da estrutura molecular do DNA. Crick era estudante de doutorado e, a princípio, não estava interessado
A dupla de cientistas começou a discutir os fatos que conheciam até então. O curioso é que o trabalho dos dois se baseou em muitas conversas e esquemas desenhados em quadro-de-giz, em vez de tubos de ensaio e pipetas no interior de um laboratório. Eles passaram a usar modelos que empregavam arames e bolinhas de várias cores para representar átomos e moléculas — um procedimento que se tornara conhecido por causa do químico Linnus Pauling.
Em 1.º de janeiro de 1951, Wilkins, que trabalhava no King’s College, de Londres, Inglaterra, passou a dividir, de uma forma pouco amigável, suas pesquisas de cristalografia do DNA com Rosalind Franklin, biofísica inglesa recém-chegada de Paris e considerada uma autoridade em experimentos com difração por raio X. Na época, em plena corrida para se desvendarem os segredos do DNA, existia a suspeita de que a estrutura dessa molécula era helicoidal. Somente depois dos trabalhos desenvolvidos por Franklin essa hipótese foi confirmada.
Em janeiro de 1953, Watson tomou conhecimento, por intermédio de Wilkins, de uma foto produzida por Franklin na qual a estrutura helicoidal do DNA mostrava-se de forma clara e nítida. Era o que faltava para Watson e Crick acertarem o alvo.
Durante todo o mês de fevereiro daquele ano, a dupla do Cavendish tentou exaustivamente montar um modelo em três dimensões da famosa molécula. Eles chegaram, então, a uma estrutura helicoidal, composta por duas cadeias ligadas pelas bases nitrogenadas. No entanto, ainda havia um entrave: como as bases se combinavam? Houve muitas tentativas para desvendar esse mistério. Especialmente Watson dedicou-se a isso. Inicialmente, ele tentou unir duas bases púricas (adenina e guanina) e duas pirimídicas (timina e citosina), mas não teve êxito, pois a forma obtida não correspondia às observações realizadas por Rosalind Franklin. A resposta veio na manhã do dia 28 de fevereiro, quando ocorreu a Watson unir bases púricas a pirimídicas: adenina com timina/citosina com guanina. Essa idéia teria surgido anteriormente se ele não tivesse negligenciado os resultados obtidos por Chargaff em um estudo sobre as proporções das bases nitrogenadas, anos antes.
Ao colocarem a última peça em seu modelo, Watson e Crick puderam visualizar, pela primeira vez na História, a escultura que representa a molécula reprodutora da vida. O famoso trabalho de Watson e Crick foi publicado na revista britânica Nature, de 25 de abril de 1953. Nove anos mais tarde, esses dois cientistas receberam, juntamente com Maurice Wilkins, o prêmio Nobel de medicina.