Muita gente pensa que o DNA foi descoberto por Watson e Crick. Mas nada é mais falso. Em 1953 o DNA já era conhecido há muito tempo: desde finais do século XIX. A meio do século XX suspeitava-se que o DNA podia ser o suporte material dos genes, um conceito então abstrato, mas havia quem pensasse que podiam ser as proteínas a desempenhar essa função (o jovem Watson pensava, de fato, que o DNA era a sede dos genes, mas Crick, o seu colega mais velho, pensava que essa sede estava nas proteínas). O que aqueles investigadores descobriram foi a estrutura da molécula do DNA, a famosa dupla hélice que constitui um ícone da biologia moderna. No breve artigo publicado na revista inglesa “Nature” em 25 de Abril de 1953, Watson e Crick incluíram no meio um esquema simples e a preto e branco da dupla hélice. Em 1983, na altura dos 50 anos da DNA, a “Nature” fez um número especial, onde relatava os espantosos progressos desde então. A revista “Time” também não se esqueceu de ilustrar a sua capa com a mesma molécula, com humanos dentro. O DNA saltou, em 50 anos, das revistas científicas para as nossas vidas.
Vale a pena citar o início do artigo. Repare no cuidado com que a proposta da nova estrutura é apresentada:
“Queremos sugerir uma estrutura para o sal do ácido desoxirribonucleico (DNA). Essa estrutura tem características novas com um considerável interesse biológico”.
Considerável talvez fosse dizer pouco. Crick exclamou na altura “off the record”: “Descobrimos o segredo da vida!”.
E vale a pena referir também o final do artigo, que deixa no ar a proposta sobre o modo como a dupla hélice se divide e, portanto, o material genético se prolonga:
“Não escapou à nossa atenção que o emparelhamento específico que postulámos imediatamente sugere um possível mecanismo de cópia para o material genético.”
Uma das hélices serve mesmo de molde no processo de duplicação genética, conforme foi mais tarde comprovado. Hoje sabe-se isso e muito mais: professa-se o chamado dogma da genética molecular, que consiste no modo como a informação dos genes (que são afinal segmentos do DNA) passa para as proteínas através do RNA mensageiro (o RNA é um outro ácido nucléico). E conhecem-se as exceções a esse dogma...
A história da descoberta do DNA está contada na primeira pessoa por James watson no seu livro “A Dupla Hélice” (Gradiva). É uma história que vale a pena ler, pois ilustra como poucas. A ciência em ação, com tudo o que ela tem de melhor e de pior. No final do seu artigo, Watson e Crick agradecem a Maurice Wilkins e a Rosalind Franklin, seus colegas no King’s College de Londres que perseguiam o mesmo problema seguindo uma via experimental. Wilkins, que partilhou o Prêmio Nobel da Medicina e da Fisiologia em 1962 com Watson e Crick, mostrou a watson algumas fotografias de raios X de cristais de DNA que tinham sido tiradas por Franklin (Watson confessou que nessa altura “o queixo lhe caiu e o coração começou a pulsar mais rápido”). É bem conhecida a infelicidade da jovem Franklin, que morreu em 1958 (de cancro, com apenas 37 anos) sem ter visto reconhecida a sua importante quota-parte na descoberta.
Certo é que sem o paciente trabalho com raios X de Franklin não teria havido tão cedo o conhecimento da dupla hélice. Não é demais realçar o papel dessa química formada em Cambridge, onde se especializou
E qual vai ser o futuro do DNA? Foi entretanto efetuada a seqüenciação do genoma humano, conseguida por uma grande colaboração (o Projeto do Genoma Humano foi de início dirigido por Watson). Hoje se procura uma sequenciação barata (e, portanto, individual). E abrem-se perspectivas para aplicações outrora inimagináveis: já hoje se fazem “chips” de DNA que, lidos informaticamente, permitem detectar a propensão genética para certas doenças. Vários tipos de cancro poderão ser antecipados e porventura prevenidos dessa maneira. Se na altura houvesse a tecnologia do diagnóstico por análise do DNA o cancro de Rosalind Franklin talvez pudesse ter sido evitado e ela poderia ter ido a Estocolmo receber o seu merecido prêmio...