Eles têm metade de um milímetro e eram considerados um escândalo da evolução biológica, pois não fazem sexo há cerca de 30 milhões de anos e os biólogos não conseguiam entender o motivo. Esses minúsculos animais aquáticos, os rotíferos da classe Bdelloidea, teoricamente deveriam estar extintos. Mas uma pesquisa revelou o engenhoso método que eles usam para sobreviver e passar a vida assexuadamente: eles se ressecam e conseguem escapar de parasitas ao serem levados pelo vento para zonas seguras.
Universidade Cornel |
Rotífero bdelóide atacado por fungo; em amarelo, filamentos do fungo emergem do bicho morto; criaturas evoluem sem trocar genes |
Teoricamente, a reprodução sem sexo teria até vantagens. Como lembram Christopher Wilson e Paul Sherman, da Universidade Cornell (EUA), os autores da pesquisa relatada em artigo na revista "Science", "a reprodução sexual reduz a eficiência da transmissão de genes por até 50%, perturba combinações favoráveis de genes, espalha doenças e é energeticamente custosa".
Mas apesar de tudo isso, menos de 1% dos animais são totalmente assexuados.
Muitos biólogos explicam o triunfo do sexo na evolução usando a hipótese da Rainha Vermelha. O nome é uma alusão à personagem do livro de Lewis Carroll, "Alice Através do Espelho", que declara que "você precisa correr muito para ficar no mesmo lugar".
No caso da evolução, isso significa que um organismo precisa encontrar meios para evoluir conjuntamente com seus parasitas e predadores. Há uma constante corrida armamentista entre uns e outros, que têm que "correr" para se adaptar às novas armas do adversário.
As cerca de 450 espécies de rotíferos dessa classe não fazem sexo de jeito nenhum, como também foi mostrado por evidências moleculares.
Só que isso expõe os pequenos rotíferos ao ataque de fungos parasitas, capazes de rapidamente exterminar suas colônias. Sem a rápida recombinação de genes que o sexo proporciona, que pode produzir indivíduos mais resistentes ao fungo, os rotíferos não têm como desenvolver armas novas para sua defesa a tempo.
Na seca
"Mesmo organismos que não têm a troca genética sexual podem ainda evoluir. A única diferença é que a variação é gerada apenas por mutação, não por recombinação", disse Wilson.
A característica do rotífero que o tornou bem sucedido é essa raríssima capacidade de sobreviver durante anos sem nenhuma água no meio celular.
Wilson e Sherman fizeram experimentos que mostraram que os rotíferos da espécie Habrotrocha elusa conseguem escapar do fungo parasita Rotiferophthora angustispora ao se desidratarem totalmente e serem dispersos pelo vento.
A desidratação extrema mata os fungos e, ao cair de novo em ambiente úmido, o rotífero parasitado se regenera.
Quanto mais tempo o rotífero fica seco, maior a chance de ter se livrado da infecção pelo fungo. Nos testes de laboratório, se a desidratação durou apenas uma semana, alguns fungos conseguiram sobreviver, e voltaram a atacar os animais regenerados.
Mas quando a secura durou 21 dias, 60% das populações de rotíferos ficaram livres do fungo durante o resto do experimento (20 semanas). Com uma desidratação de 35 dias, o índice de colônias sem contaminação subiu para 90,5%.
A dupla de cientistas também estudou a dispersão pelo vento em uma câmara que simulava uma brisa leve. Uma colônia altamente infectada por fungos e ressecada foi colocada na câmara.
Depois de transportados pelo ar, os rotíferos estabeleceram novas colônias em placas vazias a 30 cm a 40 cm de distância. O experimento foi feito duas vezes, obtendo índices semelhantes, de 58,8% e 63,6% de colônias livres de fungos.
Esconde-esconde
"Esses animais estão basicamente fazendo um jogo de esconde-esconde evolutivo", disse Sherman. "Eles conseguem colonizar habitats livres de parasitas, onde se reproduzem rapidamente e de onde partem de novo, antes que seus inimigos consigam alcançá-los."
Embora a capacidade de se desidratar dos rotíferos já fosse conhecida, o estudo mostrar como ela pode ter ajudado na evolução do animal.
Um trabalho publicado em 2008 no periódico "PNAS" por cientistas do Laboratório de Biologia Marinha dos EUA, mostrou que, para se ressecar, os rotíferos lançam mão de um sistema ultraeficaz de reparo de DNA. Ele reconstrói o genoma danificado pela secura.
Fonte: Folha de S. Paulo