A ascensão e queda do projeto Joint Dark Energy Mission (JDEM), um satélite que teria por objetivo determinar com exatidão de que consiste a força repulsiva que acelera a expansão do universo, se deve em certa medida à disputa surgida este ano entre duas agências do governo norte-americano, a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) e o Departamento de Energia, e um terceiro potencial parceiro, a Agência Espacial Européia (ESA).
Além disso, os cientistas que estão desenvolvendo os projetos do JDEM não formaram uma frente unificada, devido a desacordos quanto ao melhor método de observação a ser empregado, em um momento no qual um influente painel de astrofísica está trabalhando para definir a prioridade das melhores e mais organizadas missões da próxima década.
"Temos aqui um exemplo de um satélite que explodiu antes até de ser construído", disse Bob Nichol, astrofísico da Universidade de Portsmouth, Inglaterra, que está trabalhando no conceito de design europeu.
Energia negra é a denominação dada a uma força que sobrepuja a da gravidade e força o Universo a se acelerar em ritmo permanente de expansão. O efeito foi anunciado em 1998, depois que os astrônomos se tornaram capazes de medir com precisão as distâncias que nos separam de supernovas em outras galáxias. Mas a causa continua a ser um enigma.
"Esse talvez seja o maior mistério de nossa era", disse Neil Gehrels, cientista do projeto JDEM no Centro Espacial de Voo Espacial Goddard, da Nasa, em Greenbelt, Maryland. "Ela determina o destino do universo". A depender de que potência ela venha a atingir, a energia escura poderia dissipar o universo na escuridão, dilacerá-lo em um "big rip" ou até mesmo se reverter e formar uma aliança com a gravidade e criar um "big crunch".
A missão JDEM tinha por objetivo determinar em que consiste a energia escura, e inicialmente ela demonstrou ímpeto considerável. Em 2007, recebeu um empurrãozinho político de um estudo co Conselho Nacional de Pesquisa norte-americano que definiu uma sonda de estudo da energia escura como principal prioridade de estudo entre as questões cosmológicas profundas. Depois, para criar um consenso, a Nasa e o Departamento de Energia em setembro de 2008 estabeleceram três equipes de pesquisa que vêm competindo para dar forma a uma missão que possa acomodar a todas as necessidades.
Passados dois meses, as agências assinaram um acordo que concederia à Nasa o comando da missão. O Departamento da Energia anunciou que cobriria cerca de um quarto dos custos.
Mas os custos representam um problema. As três equipes, trabalhando em separado, desenvolveram estimativas de preço superiores a US$ 1 bilhão para a missão; o projeto combinado é igualmente dispendioso, ou talvez ainda mais. A divisão de astrofísica da Nasa sempre quis algo menor e mais barato.
"Mas que volume de energia escura é possível comprar com US$ 600 milhões?", questionou Jon Morse, diretor da divisão de astrofísica da Nasa, em reunião do conselho consultivo da agência no mês passado. "Ninguém parece querer responder a essa pergunta". Por isso, a Nasa procurou a EDA, que vem estudando essa abordagem, em um projeto conhecido como "Euclid", há anos. Em janeiro, parecia que a ESA e seus recursos orçamentários participariam da missão.
Versão modesta
Mas quando a Nasa informou aos dirigentes do Departamento da Energia que europeus produziriam instrumentos científicos que o departamento havia planejado criar, eles hesitaram. O acordo entre a Nasa e o departamento dispunha que este construiria "um importante instrumento cientifico¿ para a missão. Mas em negociações que ocuparam o primeiro trimestre deste ano, foram oferecidas ao departamento apenas tarefas menores, e alguns de seus funcionários entenderam a decisão como insulto. "Não discordo que existam cientistas insatisfeitos em todas as três organizações envolvidas", diz Gehrels.
Mas não havia uma divisão de tarefas imutável, àquela altura, afirma. E aponta que poucas das missões que envolvem múltiplas agências transcorrem de forma suave. Por exemplo, o telescópio espacial de raios gama Fermi, um projeto de US$ 700 milhões para o qual a Nasa e o Departamento da Energia contribuem, passou por um difícil processo de gestação que levou mais de uma década, antes que fosse lançado, no ano passado. Em recente reunião do conselho consultivo de física, em Washington, este ano, William Brinkman, diretor do gabinete científico do Departamento da Energia, disse, sobre a missão JDEM, que "não se trata de um projeto sem controvérsias".
Funcionários e cientistas do Departamento da Energia estão tão insatisfeitos com a situação que, por alguns meses este ano, chegaram a abandonar as negociações. Alguns, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, na Califórnia, propuseram em lugar dela um projeto de observação de energia escura de base terrestre, conhecido como BigBOSS. Em apresentações conduzidas em junho, a equipe afirmou que o projeto BigBOSS poderia apresentar resultados comparáveis ao JDEM mas a um custo de apenas US$ 85 milhões.
Enquanto isso, a Nasa e a ESA levavam adiante um projeto que se tornou conhecido como Pesquisa Internacional de Cosmologia da Energia escura, ou Idecs. Em abril, a parceria entre as duas organizações também caducou, porque as negociações estavam demorando demais. Na Europa, a equipe do projeto Euclid foi instruída a retomar o trabalho em seu telescópio espacial de 1,2 metro, diz Nichol, em preparação para uma triagem em fevereiro de 2010, com parte do concurso científico "Cosmic Visions", da ESA.
Do lado norte-americano, três conceitos de projeto continuam em debate. O projeto Idecs, com custo de US$ 1,6 bilhão, conta com dois tipos de detectores e usaria todos os três metros de observação em um telescópio de 1,5 metro. O projeto "Omega", de US$ 1,2 bilhão, empregaria apenas um detector e sacrificaria certas capacidades. Gehresls diz que sua equipe agora foi solicitada a estudar um terceiro conceito, com limite de custos de US$ 850 milhões, que vai requerer telescópio menor e reduzir as capacidades da sonda.
Enquanto isso, diante do impasse quanto à missão espacial, os astrônomos que operam em terra estão fazendo avanços na determinação de algumas das incertezas quanto a um parâmetro de energia escura capaz de informar se a força é uma constante ou se altera com o tempo. Um dos muitos estudos recentes, que acrescentaram mais de 100 supernovas observadas recentemente ao total existente, sugere que se trata de uma constante com precisão de 7%.
Simon White, diretor do Instituto Max Planck de Astrofísica, em Garching, Alemanha, questiona se é válido investir US$ 1 bilhão apenas para demonstrar com mais precisão que a energia escura é uma constante. "Não existe nada a procurar", disse White. "A força está bem perto de ser uma constante cosmológica, e a questão no que tange ao projeto JDEM seria apenas: ela está muito, muito próxima de uma constante cosmológica?"
Mas todos os recentes estudos que parecem indicar uma constante fazem a suposição de que ela seja constante no tempo, diz Rocky Kolb, teórico da Universidade de Chicago, no Illinois.
Para obter precisão e determinar de que maneira a energia escura variou no tempo, diz Kolb, é necessário ir ao espaço. Ambas as possibilidades -uma constante ou uma força mutável - acarretam problemas incômodos para os teóricos, que não dispõem de explicações para qualquer dos cenários.
Kolb aponta que existe um terceiro resultado possível. Diversos telescópios terrestres de micro-ondas, como o Telescópio do Polo Sul, estão acompanhando o crescimento das estruturas de aglomerados galácticos no começo do universo, sob a influência da gravidade. Caso esses resultados, que estão sendo aguardados para breve, não concordem com as medidas da história de expansão do espaço, as medidas feitas pelos métodos usados no JDEM poderiam indicar que existe algo de errado com a teoria geral da relatividade.
Mas o JDEM pode não ter a oportunidade de fazer essas comparações. A Nasa e o Departamento da Energia só vão decidir quanto a um dos projetos quando os resultados de uma pesquisa entre cientistas forem anunciados, no segundo trimestre de 2010.
Fonte: The New York Times