Biologia
"Os cromossomos não atam os atacadores"
Investigadores portugueses elucidam paradoxo da biologia celular na «Nature»
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Miguel Godinho, investigador principal do grupo de “Telómeros e Estabilidade Genômica” |
Miguel Godinho Ferreira, pesquisador principal do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), e a sua equipe elucidam um paradoxo com que os cientistas se deparam desde a descoberta dos telômeros (as pontas protetoras dos cromossomos), num estudo publicado na última edição da revista científica «Nature». Quando o DNA é danificado (por radiações ou fumo de tabaco, por exemplo) os cromossomos têm tendência a partirem-se, mas essas quebras são rapidamente unidas. No entanto, estas pontas naturais nunca se unem, permitindo desta forma a correta segregação do material genético por todas as células do nosso corpo.
Infelizmente, em reposta a contínuas divisões celulares, os telômeros desgastam-se e esta função protetora acaba por desaparecer à medida que envelhecemos. A perda resulta na junção das pontas dos cromossomos e, consequentemente, num “caos” genético - uma causa da formação de tumores em adultos. Compreender como as pontas dos cromossomos são protegidas da reparação de DNA e como as células respondem quando se perde essa proteção irá fornecer pistas importantes para a compreensão do envelhecimento, do câncer assim como de futuras intervenções terapêuticas.
As células respondem a quebras no DNA com a paragem da divisão celular, permitindo a acção dos respectivos mecanismos de reparação. Se as pontas dos cromossomas fossem também reconhecidas como DNA danificado, as células estariam constantemente a tentar repara-lo, o que levaria à morte celular e mutações. Os telómeros - as capas das pontas dos cromossomas formadas por proteínas e DNA - previnem que isto aconteça.
Modificação da histonaAtravés duma série de experiências meticulosas, a equipe Portuguesa, em colaboração com investigadores da Universidade de Illinois (Chicago), descobriu que o ponto fulcral reside na modificação de uma proteína, uma histona, localizada nos telômeros. As histonas estão presentes ao longo dos cromossomos ajudando a empacotar o DNA e têm um papel importante na regulação da atividade dos genes. Os investigadores, que usaram como organismo modelo células de levedura de cerveja Africana (
S. pombe), descobriram que esta histona presente nos telômeros não possuía o sinal químico necessário para induzir o término da divisão celular e consequente reparação.
Miguel Godinho Ferreira diz:
“É incrível, mas parece que a capacidade da célula distinguir entre as pontas dos cromossomos e um dano no meio da cadeia de DNA reside nesta única alteração. De fato, ao longo do genoma esta histona retém o sinal químico, daí que se ocorrerem danos no DNA em qualquer outra região dos cromossomos, estes são reparados normalmente e as quebras unidas”.
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As pontas dos cromossomas são constituídas pelos telômeros - estruturas protectoras compostas por proteínas e ADN. |
Os telômeros podem ser comparados à capas plásticas protetoras dos atacadores de sapatos: perdendo-se estas capas, os atacadores desfiam-se e vão desaparecendo. Da mesma forma, os telômeros encurtam ao longo das sucessivas divisões celulares ao longo da vida de um organismo (isto é, com o envelhecimento). Os telômeros são normalmente elongados pela enzima telomerase. Contudo, após o nosso nascimento, ela deixa de ser expressa na maior parte das células no nosso corpo.
Consequentemente, os telômeros vão ficando cada vez mais curtos e, ao perderem o seu o efeito protetor, enviam sinais para que as células parem de proliferar e comecem a envelhecer. Para evitar este bloqueio à proliferação celular, em 85 por cento de todos os cancros, as células cancerosas reativam a enzima perdida e desta forma conseguem continuar a dividirem-se indefinidamente.
Embora a reparação do DNA deva ser prevenida nos telõmeros, a maquinária de reconhecimento de quebras desempenha uma função essencial na ativação da telomerase e no alongamento dos telômeros. Miguel Godinho Ferreira acrescenta que
"as células eucariotas desenvolveram um mecanismo muito específico que permite recrutar e ativar a telomerase enquanto todo processo de reparação ADN é impedido nos telômeros. O conhecimento dos detalhes da sua estrutura é crucial para que se compreenda a relação com o câncer, envelhecimento e outras doenças, bem como as múltiplas vias de intervenção que poderão conduzir a tratamentos mais eficazes”.
Continua dando particular ênfase à importância da investigação biomédica básica:
“Quando Liz Blackburn, Carol Greider e Jack Szostak descobriram a telomerase e os telômeros nos anos 80, os galardoados do prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina do corrente ano estavam longe de imaginar as implicações clínicas que estão agora sendo desenvolvidas. Tentavam ‘simplesmente’ resolver um problema acadêmico relacionado com a síntese de novas cadeias de DNA durante a divisão celular. Da mesma forma, sentimo-nos honrados por poder agora contribuir para a elucidação deste mecanismo, mas conscientes que as implicações diretas deste trabalho poderão ser visíveis só daqui a alguns anos”.
Fonte: Ciência Hoje PT
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